Estudos do Design #5 - A Linguagem Universal

“A Bauhaus não foi uma instituição monolítica. Como toda escola, foi uma coalização e frequentemente dividida de estudantes, faculdade e administradores, interagindo com uma comunidade exterior, muitas vezes hostil.” (Lupton & Miller, 1991, pag 6)

Kandinsky, Composição 8 (1923)

         Para compreender os fundamentos da linguagem universal é necessário que entendamos primeiramente a importância da Bauhaus como nicho/gestora de todo o processo de concepção da ideia da "Linguagem Universal". O próprio construtivismo que já vinha sendo explorado por Wassily Kandisky, Johannes Ittens e outros artistas que se comunicaram através da arte-psicologia, foi fundamental para o surgimento desse estudo devido à sua comunicação com os mecanismos do inconsciente artístico. A Bauhaus forneceu o meio físico mas também ideológico ideal necessário à formação do pensamento iniciado com Kandinsky. Era lá que o pensamento e a pesquisam encontraram espaço para nascer. O próprio curso básico na Bauhaus, iniciado no primeiro semestre para todos os alunos, era baseado na desconstrução do conhecimento e na aproximação da arte à forma inicial, primária e fundamental. Em 1933, a Bauhaus foi fechada. Os pensamentos que germinaram em sua instituição iam de encontro com o vigente governo nazista em vigor, porém, ainda que vista como um lar para degenerados, essa escola permitiu a ascensão de um pensamento revolucionário. A modernização da arte, o cubismo, o dadaísmo e outros movimentos foram importantes para a construção artística e psicológica da Teoria da Linguagem Universal. Podemos concluir então que a Bauhaus foi o centro morfológico, criador: a incubadora da Linguagem Universal. 

“[...] A linguagem “universal” da visão – uma escrita autônoma, livre das limitações culturais da escrita alfabética”
Formas/cores básicas segundo Kandinsky


         A linguagem universal, para Kandinsky, era um alfabeto alegórico presente na configuração psicológica de todo ser-humano. Explicava ele que a forma como nós temos de realizar traduções linguísticas é extremamente reduzida. A tradução de cada idioma do planeta possui uma forma de associação fonética aos objetos existentes no mundo material e imaterial e é complexo conseguir compreender a comunicação (especialmente verbal) sem ter acesso à tradução. A palavra “cavalo” por exemplo, só faz sentido para uma pessoa falante do idioma português, mas não só isso: a palavra só faz sentido porque somos capazes de associar essa palavra à imagem de um ser material “cavalo”. As palavras, por exemplo, são associações indiretas aos seres do plano tridimensional ou mental. A junção de letras e os fonemas que estão envolvidos na constituição de uma linguagem verbal variam de região para região e isso, para Kandinsky, consistia em uma limitação. Foi então que esse artista passou a conceber a ideia de uma linguagem que transcendia completamente os limites das línguas já estruturadas pelo ser-humano. Essa linguagem falaria por si própria, a tradução seria direta. Para Kandinsky, a tradução de uma palavra, por exemplo, era indireta e sempre acarretava em perdas. Verificamos: a palavra “saudade” por exemplo, é uma palavra contida no idioma português-brasileiro e não existe em muitos idiomas. Quando traduzimos a palavra “saudade” para o inglês, podemos encontrar: “I miss you”, que literalmente significa: “Sinto a sua falta”. Acontece que a frase “Sinto a sua falta” não é uma correspondência direta à palavra “Saudade”. É nisso que consiste a perda de informações. A linguagem universal, como o próprio nome sugere, é universal. De alguma forma, todas as pessoas do planeta deveriam associar um quadrado à cor vermelha, um círculo à cor azul e um triângulo à cor amarela. E não só isso, essas formas e cores também seriam associadas à sentimentos específicos, o que é um tanto abstrato. Todas essas ligações aconteceriam em um nível subconsciente mas estariam presentes rotineiramente na forma como nós, seres-humanos, nos expressamos e enxergamos o mundo. Seria possível, portanto, compreender e entender os sentimentos exprimidos pelas pessoas através da linguagem universal. Apesar de não ter sido comprovada cientificamente, a linguagem universal serviu como base para muitos perfis e testes psicológicos que são utilizados até hoje. Podemos dizer que Kandinsky não acertou completamente, mas foi fundamental para a arte para a psicologia. 

 “Precisamos desde já distinguir os elementos básicos de outros, ou seja, elementos sem os quais uma obra [...] não poderia sequer existir?” (Kandinsky, 1926, pag 20)

         Como dito anteriormente, a Bauhaus contava com um curso básico comum à todos os alunos, no qual os princípios básicos da forma eram explanados. Os alunos eram orientados à um retorno para a “infância”. É interessante que o mesmo princípio que gerou o sucesso de Ittens, por exemplo, foi também o que o levou à sair da Bauhaus. As pessoas estavam insatisfeitas com a rebeldia da escola e viam os artistas e estudantes como degenerados.Na Bauhaus, aprendia-se que o mundo era composto por figuras geométricas básicas e cores primárias das quais se originavam todo o resto. Esse pensamento é deveras interessante e podemos observar que até hoje é utilizado de diversas formas, especialmente no estudo da arte. Uma das técnicas de desenho de observação mais famosas é a redução da figura tridimensional à uma figura geométrica plana bidimensional básica. Nós tentamos à todo momento transformar o plano tridimensional em um plano bidimensional ou até unidimensional. Essa forma de reduzir objetos complexos à objetos simples, também foi fundamental para a criação do Jardim de Infância, que até hoje existe.  Friedrich Froebel foi o fundador dessa ideia. Froebel já era discípulo de Pestalozzi  e via a educação na infância com olhos sensíveis. Ele acreditava que as crianças precisavam despertar para um conhecimento que, de certa forma, já existia dentro delas. Mas mais que isso: ele acreditava em níveis de educação. O mais simples vinha antes do mais complexo e essa ideia de chegar aos “elementos” básicos, foi tão fundamental que transcendeu a arte e alcançou a pedagogia. Até hoje é senso comum que existe a necessidade de se passar pelo mais simples para se alcançar o mais complexo

“Sua prática e pedagogia possuem tanto o caráter da ciência quanto o da fantasia” (Miller, 1991, pag 25) 

Imagem explicativa sobre o método científico


         É necessário compreender que, à rigor, a linguagem universal não é científica. Para que um experimento possa ser considerado científico (ou para que uma teoria exista) é necessário que a ideia passe por critérios bem definidos pelo método científico. Acontece que à sua época, Kandinsky acreditava que existia uma linguagem universal e fundamental existente na psique humana e igual para a todas as culturas: Ele não sabia como explicar essa linguagem ou o porquê de sua existência, mas as suas tentativas eram de provar que ela era uma realidade. Para Kandinsky, o quadrado era vermelho e agressivo, o triângulo era naturalmente amarelo e pontudo e o circulo era azul e calmo. Era assim que as cores e as formas se relacionavam e falavam conosco. Todo esse processo era denominado de tradução. Outros artistas inclusive estavam procurando fazer as mesmas associações, porém com os sons. É certo que as formas, e as cores geram sensações específicas em nós, mas como mostrar que essas sensações são absolutas em qualquer lugar do planeta? Kandinsky realizou algumas pesquisas com estudantes da Bauhaus, mas o espaço amostral que ele continua era muito reduzido. Ele estava entrevistando estudantes, na sua maioria alemães, mas a forma de pensar daquelas pessoas já estava sendo induzida pelo pensamento construtivista que vigorava. As conclusões à que Kandinsky chegou foram registradas no livro “Ponto e linha sobre plano”, onde ele faz diversas explanações para tentar compreender todas as impressões que as formas e as cores geravam em nosso subconsciente. Alguns estudiosos da psicologia ainda consideram a teoria de Kandinsky como uma possibilidade. É dito que a natureza em que existimos já demonstra as suas peculiaridades. O azul, a cor do céu e da água, naturalmente eram pontos de tranquilidade relacionados ao frio, ao lento enquanto o fogo, vermelho, queimava e estava diretamente ligado ao movimento. O Amarlelo estava presente nas frutas, nas flores mas também nos metais utilizados para a produção de moeda. De qualquer modo é importante frisar que a Linguagem Universal não é científica mas possui de alguma forma, um caráter que pode ser considerado científico. Um caráter de observação, de pesquisa, de coleta de dados, de exploração, de associações e estudos psicológicos. Além disso é muito interessante que essa linguagem visual fosse tão real, ainda que com um campo amostral reduzido. Hoje, os princípios das formas e das cores ainda é utilizado por muitos artistas para transmitir mensagens específicas. Querendo ou não, depois de Kandinsky, a linguagem universal ficou gravada na nossa cultura e a partir do momento em que as pessoas decidiram utilizar ela de forma proposital e literal, ficou gravada na nossa mente. Talvez se a pesquisa de Kandinsky tivesse sido feita hoje, o mundo inteiro possivelmente teria trago resultados dentro da expectativa.  Quando vemos as cores primárias, ou o círculo cromático, rapidamente associamos essas formas à Bauhaus ou a Ittens. Não importa em que lugar do mundo você esteja, essa associação acontece porque a ideia já foi concebida. Se existe um mecanismo que rege nosso subconsciente quanto à isso ou não, não temos como saber. Pelo menos ainda.

“Essas respostas especulativas [...] são paralelas às fantasias de origem escavadas pela psicanálise” (Miller, 1991, pag 25)
Ex.1 Figura de Rorscharch

         Como dito anteriormente, a psicologia sempre procurou fazer associações com o mundo que nos envolve e o nosso ser interior, nosso eu. É compreensível que exista (em alguma dimensão) alguma ligação entre nossa psique e o mundo que nos envolve. As respostas especulativas da linguagem universal estão diretamente envolvidas com a psicologia. A teoria psicológica das cores é extremamente utilizada pelo Marketing. Na verdade, a precursora desses estudos, Eva Heller, realizou uma pesquisa ainda mais aprofundada que Kandinsky e Ittens. Ela entrevistou cerca de duas mil pessoas com uma faixa etária que variava dos 18 aos 92 anos, pertencentes à diversas profissões. De alguma maneira, existe um mecanismo que mostra que a cor vermelha, por exemplo, desperta à fome e a cor verde nos transmite calma. Cientificamente esses estudos não são completamente viáveis justamente por não estarem completamente enquadrados dentro de uma perspectiva cartesiana imposta pelo método científico: são questões de análise abstrata, complexas de compreender e estabelecer parâmetros. Talvez a explicação mais plausível esteja na natureza. Mas por que até hoje estudamos psicologia das cores nas universidades? Bom, porque funciona. Porque experimentalmente grandes marcas, grandes indústrias utilizaram os mecanismos psicológicos da forma, da cor e do hábito para incrementarem a sua promoção. Em que cores pensamos imediatamente ao falar em Mc Donalds? Por que não pintamos as paredes dos hospitais de vermelho? Alguns estudos afirmam que a resposta está na cultura. É difícil associarmos o azul à fome. Não existem muitos elementos azuis comestíveis na natureza. Mas o vermelho é a carne, é o sangue, é a fruta e o vegetal. Culturalmente a cor preta está passando por um processo de desconstrução. Na idade média, cores vivas eram reservadas à nobreza, enquanto as cores neutras ficavam para a plebe. Claro que todas essas conclusões são tão subjetivas que não existe forma de obter certeza quanto aos porquês de cada sensação gerada por uma figura imaterial específica. Também segue o mesmo princípio a anteriormente citada figura de Rorschach. Apesar de não comprovada psicologicamente, as figuras contribuíram para a identificação de inúmeros criminosos em série e pessoas com distúrbios mentais e psicológicos que hoje já morreram ou estão na cadeia. É um fato que a psicologia está sempre buscando compreender a nossa mente e por isso existe a necessidade de haver associações. Mas a arte também faz isso em algum âmbito, a arte consegue nos ler e consegue nos mostrar quem somos. Ittens e Kandinsky foram grandes artistas que buscavam o minimalismo máximo, a forma básica, o esqueleto das figuras. É importante ressaltar que mesmo que todo o conhecimento explanado por esses artistas tenha sido de certa forma desconsiderado pela nossa ciência, ele foi fundamental e ainda é para a nossa construção de sociedade. Todos estamos cercados de formas, cores e sons que nos geram certos sentimentos, que nos mostram algo. A questão é que cada ser possui uma psique única que não pode ser totalmente subjulgada e enquadrada em uma única paleta de possibilidades. Se uma pessoa viveu um trauma terrível na infância envolvendo a cor vermelha, é bem possível que para ela, essa cor não esteja associada à fome. Então todos somos envoltos de traumas, não necessariamente no sentido ruim. Traumas aqui, possuem o sentido de impressões:  impressões psicológicas que estão sempre presentes na nossa mente, no nosso passado, presente e futuro porque somos, afinal das contas, humanos. A Bauhaus, Ittens, Kandinsky e outros diversos artistas foram essenciais: eles plantaram uma semente na psicologia e a psicologia plantou uma semente nas artes que é extremamente viável. A arte é, no final, subjetiva. E o design é aplicado mas também se utiliza da arte.



Bibliografia

MILLER, J. Abbott; LUPTON, Ellen (Org). ABC da bauhaus: a bauhaus e a teoria do design. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 67 p. ISBN: 9788575037355

KANDINSKY, Wassily. Ponto e linha sobre plano. 

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